Resistência no Congresso Nacional
Partidos e parlamentares calculam o custo político de votar reformas impopulares. A fragmentação partidária e o presidencialismo de coalizão fortalecem bancadas temáticas (agronegócio, transporte, servidores), cada uma defendendo vetores de interesse próprio.
Em ambientes de coalizão, cargos comissionados e emendas parlamentares viram moeda de troca para sustentar apoio às propostas. Mudar o desenho do Estado hoje significa mexer em cadeiras, verbas e contratos espalhados por ministérios, secretarias e autarquias.
Influência dos lobistas
Lobby é atividade legítima quando transparente, mas no Brasil falta regra clara. Grandes setores mantêm equipes de consultores e advogados em Brasília para monitorar e moldar projetos.
- Bancos pressionam para manter tributação sobre movimentações financeiras como hoje, evitando a criação de impostos mais amplos que reduzam spreads.
- Indústria automotiva e agronegócio barganham benefícios fiscais estaduais e federais no ICMS e IPI.
- Sindicatos e associações de servidores advogam para preservar regimes de aposentadoria, estabilidade e planos de saúde custeados pelo orçamento.
Exemplo público: durante a tramitação da PEC da Reforma Tributária, o setor de serviços conseguiu adiar a unificação do ISS e do ICMS, mantendo regimes especiais para áreas como salões de beleza e academias.
Reformas já aprovadas que prejudicaram trabalhadores
- Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017): flexibilizou negociação direta, criou trabalho intermitente e limitou pagamento de horas extras, impactando renda de quem já vivia de bicos e contratos temporários.
- Terceirização irrestrita (Lei 13.429/2017): permitiu terceirizar atividade-fim, reduzindo salários e benefícios de inúmeros profissionais em setores como telecomunicações e saúde.
Reformas e políticas que beneficiaram a classe trabalhadora
- Política de valorização do salário mínimo (aumento real anual atrelado ao PIB): ampliou poder de compra e reduziu pobreza real em milhões de lares.
- Simples Nacional e desoneração da folha para micro e pequenas empresas: facilitaram a formalização de milhões de trabalhadores informais como microempreendedores individuais (MEI).
- Mudanças na Lei do Supersimples (2018): ampliaram teto de faturamento para pequenas firmas, gerando mais vagas formais e acesso a crédito.
Setores da Economia que atuam diretamente como Lobby no Congresso Nacional
1. Setor Financeiro
- Bancos e instituições financeiras mantêm equipes especializadas em Brasília para acompanhar projetos que envolvem tributação, regulação do crédito e fintechs. Um exemplo é a resistência à criação de um imposto sobre transações financeiras digitais, que afetaria diretamente o setor bancário.
2. Agronegócio
- A bancada ruralista é uma das mais organizadas e influentes do Congresso. Representa interesses de grandes produtores e empresas do setor agropecuário. Atua fortemente em pautas como isenções fiscais, licenciamento ambiental e demarcação de terras indígenas.
3. Indústria e grandes empresas
- Empresas como a Vale (antiga Companhia Vale do Rio Doce) têm histórico de atuação direta no Congresso. Um deputado chegou a relatar como lobistas da mineradora atuavam para moldar projetos de lei relacionados à mineração. Além disso, grupos como a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) exercem pressão sobre temas como carga tributária e incentivos fiscais.
4. Setor de Saúde Privada
- Planos de saúde e hospitais privados atuam para influenciar normas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e projetos sobre judicialização da saúde, cobertura mínima e reajustes. Um exemplo foi a pressão contra a obrigatoriedade de cobertura de partos humanizados, que impactaria os custos do setor.
5. Forças Armadas
- Um estudo do Instituto Tricontinental revelou que as Forças Armadas mantêm um sistema próprio de lobby no Congresso, com estruturas de assessoramento parlamentar em cada uma das três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica). Esse sistema é mais robusto que o do próprio Ministério da Defesa e garante emendas bilionárias para o setor.
6. Entidades religiosas e filantrópicas
- Grupos como o Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif) atuam para manter isenções fiscais para hospitais, universidades e entidades religiosas. Um caso emblemático foi a mobilização de freiras e representantes de Santas Casas para evitar cortes em benefícios tributários.
Esses exemplos mostram que o lobby no Brasil é exercido por setores diversos — do agronegócio à saúde, da indústria à religião — e que sua influência pode moldar profundamente o rumo das reformas e das políticas públicas.
Os lobistas usam uma combinação de táticas sofisticadas — algumas visíveis, outras nos bastidores — para influenciar decisões no Congresso.
Aqui estão as principais estratégias adotadas pelos lobistas no Brasil:
a) Relacionamento direto com parlamentares
- Lobistas constroem redes de confiança com deputados e senadores, muitas vezes por meio de assessores parlamentares, ex-colegas ou consultores. Essa proximidade facilita o acesso a informações privilegiadas e a influência sobre o conteúdo de projetos de lei.
b) Redação de propostas legislativas
- Muitos projetos de lei são redigidos ou revisados por representantes de setores interessados, que entregam o texto pronto aos parlamentares. Isso acelera a tramitação e garante que os interesses do grupo estejam contemplados desde o início.
c) Pressão via bancadas temáticas
- Grupos organizados atuam por meio de bancadas como a ruralista, evangélica, da bala ou da saúde, que votam em bloco e têm poder de barganha com o governo. Essas bancadas são financiadas e assessoradas por entidades privadas e associações setoriais.
d) Financiamento de campanhas e apoio eleitoral
- Embora o financiamento empresarial direto tenha sido proibido, doações indiretas via pessoas físicas ligadas a empresas ou apoio logístico ainda são formas de garantir influência futura sobre parlamentares eleitos.
e) Produção de estudos e pareceres técnicos
- Lobistas encomendam pesquisas, pareceres jurídicos e estudos de impacto econômico para embasar suas posições. Esses documentos são usados em audiências públicas e reuniões com parlamentares para dar legitimidade técnica às demandas.
f) Mobilização de base e opinião pública
- Alguns grupos promovem campanhas nas redes sociais, abaixo-assinados e manifestações públicas para pressionar o Congresso. Isso é comum em setores como saúde, educação e meio ambiente, onde há forte apelo popular.
g) Atuação nos bastidores do Executivo
- Além do Legislativo, lobistas atuam junto a ministérios, agências reguladoras e autarquias, influenciando portarias, resoluções e normas técnicas que afetam diretamente setores econômicos.
Essas estratégias mostram que o lobby é uma atividade complexa e multifacetada. Em sua forma legítima, quando exercido com transparência e sob regras claras, o lobby pode até ser positivo: permite que diferentes setores da sociedade — como sindicatos, empresas, ONGs e especialistas — levem informações relevantes aos parlamentares, contribuindo para decisões mais técnicas e bem fundamentadas.
No entanto, a ausência de uma regulamentação adequada no Brasil transforma essa prática em terreno fértil para distorções perigosas. Sem controle, o lobby se confunde com tráfico de influência, favorecimento de grupos restritos e até corrupção. É aí que ocorre o risco de captura do Estado por interesses privados, ou seja, quando decisões públicas passam a atender interesses particulares em vez do bem comum. Por isso, debater as reformas vai além de discutir regras fiscais ou administrativas. É também enfrentar os mecanismos de poder nos bastidores que travam mudanças estruturais no país.