Antes de mergulhar em cada jabuti, vamos lembrar o que são esses artifícios: são emendas fora de contexto, inseridas num projeto específico (neste caso, zerar o IR para quem ganha até R$ 5.000) e que nada têm a ver com o tema central. A seguir, você verá algumas das emendas estranha:
Emenda nº 48 — Dedução de despesas veterinárias – Renata Abreu (Podemos-SP)
Essa emenda permitiria que gastos com veterinário, planos de saúde e até funerária de pets fossem abatidos do IRPF.
Exemplo prático: se você gastou R$ 1.200 num plano para o seu cachorro, poderia usar esse valor para diminuir o imposto que deve pagar — mesmo que a lei fosse só sobre renda até R$ 5.000.
Emenda nº 21 — Lucros e dividendos livres até 2025 – Diego Garcia (Republicanos-PR)
Garante que lucros e dividendos gerados até 2025 fiquem isentos mesmo se distribuídos depois dessa data.
Exemplo prático: o investidor que receber ações de uma empresa em 2026 por lucros de 2024 não pagaria imposto — beneficiando sobretudo quem ganha alto.
Emenda nº 23 — Exclusão de indenizações e previdência complementar – Domingos Neto (PSD-CE) e Hugo Leal (PSD-RJ)
Afasta da base de cálculo do IRPFM (Imposto de Renda Pessoa Física Mensal) indenizações de seguro e benefícios de previdência complementar.
Exemplo prático: quem paga um plano de previdência privada ou recebe indenização de seguro de vida não precisaria pagar imposto sobre esses valores, mesmo que a isenção fosse só para renda até R$ 5.000.
Emenda nº 24 — Dedução de despesas essenciais – Coronel Fernanda (PL-MT)
Permite que gastos com energia, água, internet, alimentação, combustíveis, remédios e roupa sejam abatidos sem limite no IRPF.
Exemplo prático: uma família que gasta R$ 2.000 em supermercado e R$ 300 em conta de luz todo mês poderia deduzir tudo, mesmo que o projeto original só trate de faixa de renda.
Emenda nº 26 — Isenção para remessas ao exterior – Paulo Litro (PSD-PR)
Dispõe que turistas e empresários possam mandar até certo valor para fora do Brasil sem pagar IR, entre 2026 e 2030.
Exemplo prático: um consultor que viaja a trabalho para Paris mandaria parte dos lucros à conta fora do país, sem tributar — benefício só para quem pode bancar viagem internacional.
Emenda nº 28 — Despesas de saúde com animais – Delegado Matheus Laiola (União-PR)
Alongamento do jabuti 48: deduz consultas, planos e até funerais de pets como se fossem despesas médicas do titular.
Exemplo prático: assim como você deduz consulta no dentista, poderia deduzir a conta do veterinário do gato.
Emenda nº 29 — Isenção da PLR – Laura Carneiro (PSD-RJ)
Tira da cobrança de IR valores recebidos como Participação nos Lucros e Resultados de empresas.
Exemplo prático: funcionários que receberam R$ 3.000 de PLR não pagariam nada de imposto sobre esse valor, um ganho direto no bolso do trabalhador.
Emendas nº 34 a 38 — Alívios ao setor agropecuário – Comissão de Agricultura
Essas emendas zeram alíquotas de PIS/Cofins para insumos, permitem transferência de créditos e restituição de biocombustíveis.
Exemplo prático: um produtor de soja compraria fertilizantes sem pagar PIS/Cofins, baixando custos de produção — completamente desvinculado de pessoas físicas com renda até R$ 5.000.
Emenda nº 46 — Isenção para segurança pública – Capitão Alden (PL-BA)
Concede isenção total de IR para policiais, bombeiros e agentes penitenciários.
Exemplo prático: um soldado da PM que ganhe R$ 4.500 mensais não pagaria nada de IR, mas esse benefício é específico a uma categoria.
Emenda nº 49 — Dependentes multiespécies – Laura Carneiro (PSD-RJ)
Autoriza declarar até dois animais de estimação como dependentes no IRPF.
Exemplo prático: você cadastraria seu cachorro e seu papagaio como “dependentes”, ganhando desconto de imposto por cada um deles — claro jabuti!
Emenda nº 57 — Exclusão de lucros de sociedades de serviços profissionais – Tião Medeiros (PP-PR)
Afastaria lucros e dividendos de consultores, advogados e médicos de serem tributados no IRPFM.
Exemplo prático: um escritório de advocacia distribuiria lucros aos sócios sem recolher IR, mesmo que o projeto fosse para faixa salarial até R$ 5.000.
Emendas nº 59 a 63 — Pacote de benefícios sociais – Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ)
Reúnem deduções para idiomas, empregados domésticos, aluguel, atividades físicas e dão descontos extras para idosos.
Exemplo prático: estudante que paga R$ 400 de curso de inglês ou uma família que gasta R$ 1.200 de aluguel poderia abater esses valores, ampliando o escopo muito além de quem ganha até R$ 5.000.
Cada uma dessas emendas desvincula o debate principal de quem ganha até R$ 5.000 mensais, criando favores setoriais ou regionais, em vez de focar na simplificação e na justiça fiscal pretendida pela lei original. É importante também observar a seriedade de tratar de um tema tão sensível a sociedade que ao que me parece não é considerado por vários parlamentares.
Dinâmica política por trás das emendas jabutis
A introdução de emendas desconectadas do tema principal espelha uma prática de barganha parlamentar em que cada deputado ou senador busca entregar benefícios localizados a eleitores ou grupos de interesse. Em vez de focar na simplificação do IRPF para quem ganha até R$ 5.000, esses parlamentares viram uma oportunidade de inserir favores setoriais — de gastos veterinários a isenções para segurança pública — para reforçar sua base de apoio nas eleições futuras.
Essa estratégia de “toma lá, dá cá”) é comum em legislativos que exigem consenso para aprovar leis. Ao prometer vantagens específicas, o autor da emenda aumenta suas chances de angariar votos de colegas que representam regiões ou nichos que seriam beneficiados.
Impactos sobre a agenda e a percepção pública
Ao diluir o conteúdo original do projeto, essas emendas ampliam a complexidade do texto, atrasam a tramitação e geram dúvidas sobre a real prioridade do Congresso. Para quem acompanha a discussão, fica a impressão de que a pauta central passa a segundo plano, à mercê de interesses menos urgentes.
Na visão de muitos cidadãos, esse tipo de manobra mina a confiança nas instituições: cria a sensação de que cada nova lei vira balcão de negócios em vez de resposta às necessidades prioritárias do país.
Mecanismos para impedir emendas irrelevantes
A forma mais direta de barrar jabutis é criar filtros claros antes que qualquer emenda chegue ao plenário. Isso envolve mudanças regimentais, transparência ativa e pressão direta dos cidadãos sobre seus representantes.
Reformar regras regimentais
• Adotar o “princípio da unicidade de objeto”: cada projeto só pode receber emendas que tenham relação direta com seu tema principal.
• Criar uma Comissão de Admissibilidade: grupo técnico que avalia, antes da tramitação, se cada emenda cumpre critérios mínimos de pertinência temática.
Potencializar transparência e participação
• Plataforma pública de acompanhamento: sistema online que mostre em tempo real todas as emendas relacionadas a cada projeto, com indicadores de “compatibilidade temática”.
• Consulta cidadã rápida: prazos curtos para que a sociedade civil e especialistas enviem feedbacks sobre emendas suspeitas de jabuti.
Fortalecer o voto e a pressão do eleitor
• Voto aberto emendas por emendas: publicar o nome de quem propôs e de quem votou a favor de cada emenda estranha, para permitir cobrança imediata nas redes e nos municípios.
• Mobilização de conselhos temáticos e ONGs: criar grupos de monitoramento que enviem alertas às bancadas sobre o custo político de aprovar jabutis.
Compromisso interno de bancadas e partidos
• Carta de boas práticas: cada partido ou bloco firma compromisso público de não apresentar ou apoiar emendas fora do escopo.
• Filtro partidário prévio: legendas criam comissões internas para vetar propostas de jabuti antes de irem ao Congresso.
Sanções e responsabilização
Análise judicial simplificada: prever no regimento que emendas declaradas jabutis possam ser suspensas por decisão sumária do Supremo ou do próprio Congresso. Criar relatório anual de “jabuti score”: ranking que aponta quais parlamentares mais apresentaram emendas irrelevantes, gerando desgaste político.
