Renda Básica Universal – parte 4

Após explorarmos as fundações econômicas e os impactos psicossociais, chegamos a um dos temas mais futuristas e, ao mesmo tempo, urgentes do debate sobre a Renda Básica Universal (RBU): sua profunda conexão com as transformações no mundo do trabalho e da educação.

A Renda Básica Universal não é apenas uma rede de segurança para o sistema atual; muitos a veem como uma plataforma de lançamento para um novo paradigma de trabalho, aprendizado e propósito no século XXI.

O futuro do trabalho e da educação

Aqui, analisamos como a RBU interage com a automação, a precarização e a necessidade constante de adaptação que definem a nossa era.

1. A Renda Básica Universal como resposta à “Economia de Bicos”

O modelo tradicional de emprego — 40 horas semanais, carteira assinada (CLT), férias, 13º salário e aposentadoria — está encolhendo. Em seu lugar, cresce a “Economia dos bicos”, caracterizada por trabalhadores autônomos e sob demanda.

  • A instabilidade como Norma: Trabalhadores de aplicativos como Uber, iFood e Rappi, além de freelancers em plataformas como a Upwork (é um mercado online global que conecta empresas e empreendedores a freelancers qualificados de todo o mundo), não têm um salário fixo. Sua renda pode variar drasticamente de um mês para o outro, dependendo da demanda, de mudanças nos algoritmos da plataforma ou de imprevistos como problemas de saúde ou manutenção de seus veículos. Eles arcam com todos os custos e riscos, sem a proteção da legislação trabalhista.
  • A RBU como piso de estabilidade: Nesse cenário de precarização, a RBU funcionaria como um “salário-base” previsível. Ela não substitui a renda do trabalho, mas a complementa, oferecendo uma segurança que o mercado não provê.
    • Exemplo Prático: Imagine uma entregadora de aplicativo em setembro de 2025. Em um mês bom, ela consegue R$ 3.000, mas no mês seguinte, por causa de chuvas fortes e da baixa demanda, sua renda cai para R$ 1.200, mal cobrindo seus custos. Com uma RBU de, digamos, R$ 1.000, sua renda mínima garantida seria de R$ 2.200 naquele mês ruim. Essa previsibilidade permite que ela pague o aluguel sem desespero, planeje suas finanças e, crucialmente, tenha a opção de não trabalhar em condições perigosas (como durante uma tempestade) apenas para garantir o sustento do dia.

2. A relação entre RBU e “Aprendizado Contínuo”

A ideia de “formar-se e seguir uma carreira por 40 anos” tornou-se obsoleta. A automação e a Inteligência Artificial estão transformando profissões a uma velocidade assustadora, exigindo que todos nós sejamos aprendizes contínuos.

  • A armadilha da requalificação: Como um trabalhador pode se requalificar se ele precisa trabalhar em tempo integral para pagar as contas? Um motorista de caminhão cuja profissão está ameaçada pela automação não pode simplesmente parar por um ano para aprender programação ou outra habilidade. Ele fica preso na “armadilha da subsistência”.
  • A RBU como “Bolsa de estudos para a vida”: A Renda Básica Universal oferece a segurança financeira necessária para que as pessoas invistam em sua própria educação e adaptação. Ela funciona como uma bolsa de estudos universal e permanente.
    • Exemplo Prático: Uma analista administrativa de 40 anos percebe que grande parte de suas tarefas está sendo automatizada por softwares de Inteligência Artificial. Sem uma RBU, sua única opção é se agarrar ao emprego até ser demitida. Com uma RBU, ela ganha agência. Ela pode negociar uma redução para meio período no trabalho atual e usar o tempo livre (e a segurança da renda) para fazer um curso intensivo de análise de dados ou gestão de projetos digitais. A RBU financia sua transição de carreira, transformando uma crise iminente em uma oportunidade de crescimento. É o capital de risco para a vida das pessoas.

3. A RBU mudaria a definição de “Trabalho” e “Sucesso”?

Talvez a consequência mais profunda da RBU seja filosófica. Ao dissociar a sobrevivência do emprego formal, ela nos força a questionar o que realmente valorizamos como “trabalho” e o que consideramos uma vida “bem-sucedida”.

  • Para além do emprego formal: Se as necessidades básicas estão garantidas, as pessoas ganham a liberdade de buscar atividades com base na paixão e no propósito, e não apenas na necessidade financeira. O “trabalho” deixa de ser sinônimo de “emprego”.
  • Novas métricas de sucesso: O sucesso, hoje medido primariamente pelo cargo e pelo salário, poderia dar lugar a métricas mais ricas: o impacto na comunidade, a produção artística, a inovação em um projeto de código aberto, a qualidade dos relacionamentos, o bem-estar pessoal.
    • Exemplo prático: Vemos ecos dessa mudança de mentalidade em fenômenos como a “Grande Renúncia”  e o “Desistir Silenciosamente” do início dos anos 2020, onde milhões de pessoas sinalizaram que um salário alto não compensava mais um ambiente de trabalho tóxico ou a falta de propósito. Com uma RBU, uma designer talentosa poderia optar por trabalhar 20 horas por semana para uma agência e dedicar o resto do tempo a um projeto de arte comunitária no seu bairro. Um programador poderia contribuir para o desenvolvimento de um software livre que beneficiará milhões de pessoas, em vez de apenas otimizar algoritmos de publicidade. A RBU permite que o “salário psíquico” (a satisfação e o propósito) tenha um peso maior na equação da carreira.

A Renda Básica Universal é apresentada não como um pagamento para que as pessoas parem de trabalhar, mas como um investimento que lhes permite trabalhar melhor, aprender continuamente e contribuir para a sociedade de maneiras mais diversas e significativas, adaptando a força de trabalho humana para os desafios e oportunidades do século XXI.